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UMA NOTA DE GRATIDÃO
Ouve-se constantemente dizer que a ingratidão com que somos pagos endurece o nosso coração e nos torna egoístas. Falar assim é provar que se tem o coração fácil de ser endurecido, uma vez que esse temor não poderia deter o homem verdadeiramente bom.[1]
O jovem André, membro de uma conceituada orquestra sinfônica de um Estado brasileiro, e um apaixonado pela música erudita, estava um tanto displicente e cabisbaixo naqueles dias. Faltava aos ensaios, chegava atrasado, e a situação não passou despercebida pelo regente.
Numa noite, após a apresentação da orquestra, o maestro chamou o moço, pediu-lhe que sentasse ao seu lado e lhe disse, com voz serena: “Tenho notado que tu não demonstras mais o mesmo entusiasmo do início. O que se passa contigo, meu jovem?”
O rapaz respondeu prontamente: “Bem, como faz bastante tempo que participo da orquestra, já decorei todas as músicas, e creio até que faço bem a minha parte, penso que não preciso participar sempre dos ensaios. Deixo isso aos novatos. Além do mais, minha namorada me abandonou. Estou sofrendo muito com isso.”
O maestro então lhe disse: “É certo que tu sabes as músicas, e não há dúvida de que tens um bom desempenho nas apresentações. No entanto, eu gostaria que me dissesses como foi no início, quando também tu eras novato.”
Sem muito esforço o moço lembrou como foram seus primeiros tempos na orquestra, e respondeu: “Lembro-me que, quando fiz o primeiro teste de admissão, não fui aprovado. Então você me chamou e disse para eu tentar novamente, eu tentei e fui aprovado. Nos primeiros ensaios você me colocava entre dois músicos experientes, o que me ajudou muito. Sou muito grato por isso.”
O maestro acrescentou: “Então me digas como teria sido se aqueles músicos experientes, que tinham bom desempenho, e se colocaram gentilmente ao teu lado para lhe ensinar os primeiros passos, pensassem como pensas hoje?”
O jovem baixou a cabeça, e ficou por algum tempo em silêncio. As palavras daquele homem sábio calaram fundo em sua alma. Depois, levantou-se, abraçou seu mestre e se foi.
Quando ele nos contou essa história já se haviam passado alguns anos, e ele nos disse que depois daquele dia não mais faltou aos ensaios, e passou a ser o apoio dos novos componente da orquestra, que davam seus primeiros e inseguros passos. Percebeu que a verdadeira gratidão não se expressa com algumas palavras, fáceis de pronunciar, mas vazias de sentido. Ele fez com que a sua nota de gratidão realmente compusesse a harmonia da sua equipe.
Contou-nos, ainda, que naquele tempo o maestro também passava por um momento muito difícil de separação conjugal. Tinha dois filhos para criar, mas sua tristeza não o impedira de fazer seu trabalho. Trabalho voluntário, diga-se de passagem.
O que movia e move ainda hoje aquele nobre regente?
O amor pela música e pelo ser humano.
Naquela distante noite, quando André alegou, como um dos motivos pelo qual andava displicente, o fato de ter sido abandonado pela namorada, o maestro lhe contou também seu drama, e acrescentou: “Há muita dor fustigando os corações dos homens. Eu faço da música, que amo, um instrumento para aliviar um pouco os sofrimentos das pessoas.
Quando, nos concertos públicos, vejo o brilho nos olhos do operário, que veio direto do trabalho para apreciar a nossa orquestra; o sorriso de satisfação da dona de casa, simples, com a criança no colo, percebo que, se têm problemas, pelo menos naqueles momentos eles os esquecem e elevam a alma, num preito de gratidão.
Vejo executivos, jovens, crianças que se deixam embalar pela melodia, e as diferenças sociais desaparecem, para só vibrar as cordas da harmonia. E, vendo tudo isso me alegro, mesmo sabendo que é muito pouco o que fazemos, mas é o que podemos, é nosso possível, e nosso dever também.”
Concluímos essas breves reflexões com algumas palavras do notável compositor Rossini:
A música, que é a causa secundária da harmonia percebida, penetra e transporta um e deixa o outro frio e indiferente. É que o primeiro está em estado de receber a impressão produzida pela harmonia e o segundo num estado contrário; ele escuta o ar que vibra, mas não compreende a ideia que ele lhe traz. Este chega ao aborrecimento e adormece; aquele ao entusiasmo e chora. Evidentemente, o homem que goza as delícias da harmonia é mais elevado, mais depurado que aquele que ela não pode penetrar; sua alma está mais apta para sentir; ela desprende-se mais facilmente e a harmonia a ajuda a se desprender; ela a transporta e lhe permite ver melhor o mundo moral. Disto deve-se concluir que a música é essencialmente moralizadora, porque leva a harmonia às almas e a harmonia as eleva e as engrandece.
A influência da música sobre a alma, sobre o seu progresso moral, é reconhecida por todo mundo, mas a razão dessa influência geralmente é ignorada. Sua explicação está inteiramente neste fato: A harmonia coloca a alma sob o poder de um sentimento que a desmaterializa. Tal sentimento existe em um certo grau, mas se desenvolve sob a ação de um sentimento similar mais elevado. Aquele que é privado desse sentimento a ele é trazido gradativamente; também ele acaba por se deixar penetrar e arrastar ao mundo ideal, onde ele esquece, por um instante, os grosseiros prazeres que prefere à divina harmonia.
E agora, se considerarmos que a harmonia emana do conceito do Espírito, deduziremos que se a música exerce uma influência feliz sobre a alma, a alma que a concebe também exerce sua influência sobre a música. A alma virtuosa, que tem a paixão do bem, do belo, do grande, e que adquiriu harmonia, produzirá obras-primas capazes de penetrar as almas mais encouraçadas e de comovê-las.
Se o compositor é terra a terra, como expressará a virtude que ele desdenha, o belo que ele ignora e o grande que ele não compreende? Suas composições serão o reflexo de seus gostos sensuais, de sua leviandade, de sua despreocupação. Elas serão ora licenciosas, ora obscenas, ora cômicas e ora burlescas; comunicarão aos ouvintes os sentimentos que exprimirem, e os perverterão, em vez de melhorá-los.[2]
Equipe Filosofia no ar / TC 08/02/2012
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