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Valores na educação[1]
A alma não é um vaso que é preciso encher, é um foco que é necessário aquecer. Plutarco
Do ponto de vista da filosofia, a principal causa dos problemas da sociedade humana tem por base a falta de valores morais. Então, se queremos construir uma sociedade mais feliz, cumpre meditemos sobre o que são esses valores.
Um primeiro passo é distinguir valor moral de preço, prêmio, recompensa, embora alguns dicionários da nossa língua tratem esses termos como sinônimos. Assim sendo, ao se tratar das qualidades de uma pessoa, pode-se acrescentar à palavra valor, o termo moral, para evitar confusão.
O termo valor vem do latim, da família de valere, e significa aquilo pelo que uma pessoa é digna de estima, quanto às qualidades que se deseja ao ser humano no domínio moral, intelectual, profissional. O contrário de valor é mediocridade, nulidade, covardia.
Já a palavra preço vem do latim, pretium. Em economia: quantia que se pode esperar receber em troca de uma mercadoria, de um serviço ou de um título; o que compradores e vendedores estão dispostos a pagar ou receber para realizar um negócio. Aquilo que se dá, se sacrifica ou se obtém em troca de alguma coisa. A palavra Prix (prêmio) tem a mesma raiz etimológica, e significa a recompensa destinada a honrar a pessoa, animal ou coisa em uma competição. Diploma, medalha, uma soma em dinheiro, etc.
Com essas definições fica mais fácil entender que os valores morais são intrínsecos e dizem respeito à intimidade do ser, do seu caráter, da sua essência mesma.
E porque os valores são de intimidade e não podem ser impostos a ninguém, talvez esteja aí um dos maiores desafios dos pais e professores: imprimir valores morais na alma de seus educandos.
Isso porque um valor moral precisa ser ensinado pela vivência, pelo exemplo, e não pela teoria, uma vez que a criança não tem condições físicas nem psicológicas para entender uma teoria abstrata.
No entanto, boa parte dos educadores acredita que para educar valores basta uma boa teoria sobre virtudes. Mas só a teoria não basta, é preciso o exemplo.
Dentre os valores morais, a justiça é um dos mais desejáveis e contundentes, e é inato no homem. As crianças têm, instintivamente, a noção do que é justo ou injusto.
Quando vê um objeto seu tomado por um irmão ou amigo, a criança se queixa aos pais. No entanto, nem sempre os pais lhe dão a devida atenção. Alguns preferem deixar que “as crianças se entendam”. O que geralmente acontece nessas circunstâncias? A lei do mais forte: “quem pode mais, chora menos.”
Não há dúvida de que os pais que agem assim estão perdendo uma das melhores oportunidades para ensinar valores morais a seus filhos.
Pais que desejam formar homens de bem, e não apenas homens instruídos, aproveitam todas as oportunidades para ensinar valores. Ao filho que quer se apropriar do que é do irmão, ensina o respeito à propriedade alheia; a humildade, para pedir em vez de tomar; a mansuetude, a paciência, etc. Ao outro faz refletir sobre compartilhar o que é seu, a abrir mão de algo para alegrar o outro, a vencer o egoísmo, e assim por diante.
Se os pais deixam que as crianças resolvam a questão por si mesmas, e prevalece a lei do mais forte, então criam no mais fraco um sentimento de impotência, de insegurança, que pode despertar ódio, rancor, ciúme, inveja, mágoa, e outras tristezas mais. No mais forte pode desencadear sentimentos de prepotência, de dominação, orgulho, egoísmo, o que mais cedo ou mais tarde lhe fará sofrer. Em ambos, possivelmente trará a falta de confiança naqueles que deveriam manter a ordem, a justiça, que são seus pais ou seus professores.
A clareza é indispensável a quem quer fazer o melhor na educação. Clareza nas palavras e nos exemplos práticos, pois só assim o educando perceberá o que é correto, o que é justo, e entenderá como deve agir.
Muitos pais e professores enfrentam hoje uma luta quase inglória para fazer com que as crianças obedeçam. Entretanto, a obediência tende a se tornar muito natural, quando há admiração. Admiração não se impõe, mas conquista-se, e agir com justiça é fator decisivo.
Quando a criança percebe a autoridade de seu educador em relação a uma série de pequenas coisas, ela confia. Quando vê que seu mestre é imparcial, é justo em todas as situações, em qualquer contexto, ele o obedece, porque sabe que sempre haverá justiça, mesmo que numa determinada situação o julgamento não lhe favoreça.
A criança obedecerá, apoiando-se nos eventos anteriores, porque a experiência já lhe demonstrou que pode confiar, que para seu educador não há dois pesos e duas medidas, mas justiça sempre.
É natural e intuitivo no ser humano obedecer àquele em que ele confia, e negar obediência a quem ele não confia. Ocorre que nem sempre a criança ou o jovem conseguem perceber claramente se aquele a quem admira é verdadeiramente virtuoso, ou tem apenas as aparências da virtude.
Por isso não poderíamos deixar de tocar numa grave questão que parece cada vez mais comum em nossa sociedade. É uma certa tendência a valorizar a capacitação técnica, muitas vezes em detrimento da verdadeira sabedoria.
Quando uma pessoa é formada tecnicamente, desenvolve habilidades e conquista títulos, a tendência é que desperte admiração. No entanto, se por trás das habilidades há vícios sérios de caráter, ela os propaga juntamente com as habilidades, porque quem admira um ser humano tende a admirá-lo com tudo o que ele tem.
Há pais e professores muito bem instruídos, mas carentes de uma formação básica em valores morais. E o pior é que muitas vezes simulam virtudes, o que é um crime, porque influenciam aqueles que não percebem que eles são “bons” por conveniência, e acabam manipulando as opiniões conforme seus próprios interesses.
Esse tipo de indivíduo não é bom porque ama a bondade, mas porque a “bondade” lhe convém.
Segundo Platão, quando a sociedade busca valores apenas por precaução, por um pacto social, ou seja, quando se tem o verniz de valores apenas para garantir os seus direitos, a sua segurança, então não se ama os valores por eles mesmos, mas se finge virtudes por mera conveniência. É o que ocorre quando não sou bom porque amo a bondade, mas porque agrado aos que me observam e isso me favorece.
O termo educação vem do latim educatio, que quer dizer: ação de elevar; educação, instrução, formação do espírito. O educador é, pois, aquele que eleva o educando, que é formador do seu caráter.
Nesse ponto é que se percebe que o exemplo do educador é decisivo, segundo o seguinte preceito ditado por uma criança: “O que você é fala tão alto, que não consigo ouvir o que você está dizendo.”
Se é certo que a criança não consegue compreender uma teoria da justiça, também é certo que não tem nenhuma dificuldade para entender um exemplo prático e assimilá-lo, até porque o sentimento de justiça já nasce com ela.
Quando o educador respeita a individualidade da criança, o ser único que ela realmente é, e não como uma massa, então ele poderá contribuir grandemente para sua elevação como Espírito.
O ser humano costuma se inspirar em modelos. Um bom modelo de educador é aquele que sabe fazer uma ponte entre um conceito teórico e uma situação concreta de vida, porque é preciso dar vida aos conceitos.
Educação é a arte de formar os caracteres, e a formação de valores se dá a partir do exemplo do educador.
O que vale para ensinar a justiça, vale para ensinar todos os demais valores morais.
O educador que ama a justiça, a fraternidade, a generosidade, e outras virtudes por elas mesmas, e as vive tão naturalmente como respira, não deixa de ser notado pelos que o observam, e seu exemplo toca mais que mil palavras.
Encerramos estas poucas reflexões sobre valores morais, com um pensamento do notável educador francês Allan Kardec:
“A educação, convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres, como se conhece a de manejar as inteligências, conseguir-se-á corrigi-los, do mesmo modo que se aprumam plantas novas. Essa arte, porém, exige muito tato, muita experiência e profunda observação.
É grave erro pensar-se que, para exercê-la com proveito, baste possuir conhecimentos. Quem acompanhar o filho do rico, assim como o do pobre, desde o instante do nascimento, e observar todas as influências perniciosas que sobre eles atuam, em consequência da fraqueza, da incúria e da ignorância dos que os dirigem, observando igualmente com quanta frequência falham os meios empregados para moralizá-los, não poderá espantar-se de encontrar pelo mundo tantas coisas erradas. Faça-se com o moral o que se faz com a inteligência e ver-se-á que, se há naturezas refratárias, muito maior do que se julga é o número das que apenas reclamam cultivo adequado, para produzir bons frutos.”[2]
Equipe Filosofia no ar / tc 22/11/2013
[1] Este texto foi inspirado na palestra homônima, proferida pela filósofa Lúcia Helena Galvão, da Nova Acrópole, disponível no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=9rrpvxEWaYA
[2] O Livro dos Espíritos, item 917, comentário.
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