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Você não é seu corpo
Ao vires um homem revoltar-se no instante de morrer, não será isso prova suficiente de que não se trata de um amante da sabedoria, mas amante do corpo? Um indivíduo nessas condições também será, possivelmente, amante do dinheiro ou da fama, se não o for de ambos ao mesmo tempo. Sócrates[1]
O que você responde quando alguém lhe pergunta: “Quem é você?”
A essa questão as pessoas geralmente respondem: sou fulano de tal, ou, sou médico, professor, funcionário público, etc.
Se a pessoa a quem é feita a pergunta tem alguém a que julga ser mais conhecido ou mais importante que ela, então diz: “Sou filho de fulano, esposa de sicrano, pai de beltrano”, e assim por diante.
O que talvez jamais alguém tenha respondido é: “Sou um amontoado de músculos, carne, ossos, nervos, etc., ou seja: “Sou um corpo.”
Mesmo os materialistas, que acreditam ser apenas um corpo físico, não respondem: “Eu sou um corpo”.
Quem é você, afinal? Pergunta um tanto difícil, temos que convir, pois boa parte dos indivíduos não reflete sobre “esse assunto” com a seriedade que ele merece.
Vamos fazer, então, algumas reflexões com base no pensamento de filósofos e cientistas que trataram desse tema.
Comecemos por Sócrates e Platão, filósofos gregos que viveram cerca de 400 anos a.C.
Aquele seria um dia de grande angústia e desespero para a grande maioria dos seres humanos, mas não para Sócrates, um verdadeiro “amante da sabedoria”. Ele iria morrer em breve, obrigado a beber o veneno letal que lhe fora imposto como pena capital.
No entanto, calmo como sempre, e desejando dar utilidade a seus últimos momentos de convívio com os amigos, o filósofo lhes falou sobre o tema que mais interessava naquele instante: a imortalidade da alma.
Eis alguns trechos de seus diálogos sobre a imortalidade da alma, retirados do livro intitulado Fédon:
“O fato, Símias e Cebes, é que se eu não acreditasse encontrar, na outra vida, Deuses bons e sábios, e homens muito melhores do que nós, eu seria injusto se não me zangasse por ter que morrer. Porém, saiba Símias, e você Cebes, que espero juntar-me a uma assembleia de justos. Posso enganar-me a respeito disso, mas quanto a encontrar em outro mundo mestres muito bons e sábios, é o que ouso assegurar, tanto quanto se pode afirmar das coisas dessa natureza. Eis porque não estou zangado por ter que morrer, pois espero que alguma coisa há para os mortos após esta vida, e que lá os bons são muito melhor tratados que os maus.”
“Pois quê, Sócrates! falou Símias, queres nos deixar, com esses sentimentos no coração, sem os compartilhar conosco? Parece-me tratar-se de um bem que deve ser comum a todos nós, e se nos persuadires de tudo o em que acreditas, estará feita a sua defesa.”
“É o que vou tratar de fazer, disse Sócrates, mas antes vejamos o que o nosso Críton tem para nos dizer, pois parece que ele quer nos falar já há algum tempo.”
“Trata-se apenas do seguinte, Sócrates, falou Críton: é que há muito vem insistido comigo a pessoa encarregada de dar-te o veneno, para avisar-te que deves conversar o menos possível. Conversa muito animada esquenta, é o que ele afirma, e isso prejudica a ação da droga. Tem acontecido, a quem se comporta desse jeito, de precisar tomar duas ou três doses.”
“Deixa-o falar!”, disse Sócrates. E que prepare dose dupla, e até tripla, se for preciso.”
“Eu já sabia mais ou menos o que irias responder, observou Críton; mas o homem não me dava sossego.”
Deixa-o, disse o filósofo. Agora pretendo expor-vos as razões de estar eu convencido de que o indivíduo que se dedicou a vida inteira à Filosofia, terá de mostrar-se confiante na hora da morte, pela esperança de vir a participar, depois de morto, dos mais valiosos bens. Como poderá ser dessa maneira, Símias e Cebes, é o que tentarei explicar-vos.”[2]
O diálogo sobre a imortalidade da alma se estende longamente, e os discípulos do velho filósofo convencem-se de que eles não poderiam ser apenas corpos, mas que seguiriam vivendo após a morte.
Vejamos o que pensava sobre o tema, Descartes, filósofo francês do século XVII.
Em seu livro intitulado As paixões da alma, como o próprio título sugere, René Descartes empreende um profundo estudo com o objetivo de conhecer melhor as paixões da alma, pois acredita que o homem não é apenas um corpo, mas um conjunto formado de corpo e alma. Reproduzimos aqui alguns trechos do livro citado, que mais interessam ao nosso assunto.
“Para conhecer as paixões da alma cumpre distinguir entre as suas funções e as do corpo. (...) De modo que não existe melhor caminho para chegar ao conhecimento de nossas paixões do que examinar a diferença que há entre a alma e o corpo, a fim de saber a qual dos dois se deve atribuir cada uma das funções existentes em nós.”
“Que regra se deve seguir para esse fim?”
“Nisso não encontraremos grande dificuldade, se levarmos em conta que tudo o que sabemos existir em nós, e que vemos que também pode existir nos corpos inteiramente inanimados, só deve ser atribuído ao nosso corpo; e, ao contrário, tudo o que existe em nós, e que não concebemos de nenhuma forma que possa pertencer a um corpo, deve ser atribuído à nossa alma.”
“O calor e o movimento dos membros procedem do corpo; os pensamentos, da alma.”
“Assim, por não concebermos, de nenhuma maneira, que o corpo pense, temos razão para crer que toda espécie de pensamento que existe em nós, pertence à alma; e, porque não duvidarmos que haja corpos inanimados que podem mover-se de diversas maneiras, tanto ou mais que os nossos, e que possuem tanto ou mais calor (o que a experiência mostra na chama, que possui, ela só, muito mais calor e movimento do que qualquer de nossos membros), devemos crer que todo o calor e todos os movimentos que existem em nós, na medida em que não dependem do pensamento, pertencem apenas ao corpo.”
“Que diferença há entre um corpo vivo e um corpo morto?”
(...) Consideramos que a morte jamais ocorre pela falta da alma, mas somente porque alguma das principais partes do corpo se corrompe (...).[3]
A imortalidade da alma, do ponto de vista da Ciência Espírita, estabelecida na França, no século XIX:[4]
“A existência do princípio espiritual é um fato que, por assim dizer, não precisa de demonstração, do mesmo modo que o da existência do princípio material. É, de certa forma, uma verdade axiomática. Ele se afirma pelos seus efeitos, como a matéria pelos efeitos que lhe são próprios.
De acordo com este princípio: Todo efeito tendo uma causa, todo efeito inteligente há de ter uma causa inteligente, ninguém há que não faça distinção entre o movimento mecânico de um sino que o vento agite e o movimento desse mesmo sino para dar um sinal, um aviso, atestando, só por isso, que obedece a um pensamento, a uma intenção. Ora, não podendo vir a ninguém a ideia de atribuir o pensamento à matéria do sino, conclui-se que ela é movida por uma inteligência à qual ela serve de instrumento para se manifestar.
Pela mesma razão, ninguém tem a ideia de atribuir pensamento ao corpo de um homem morto. Se o homem vivo pensa, é que há nele alguma coisa que não há mais quando ele está morto. A diferença que existe entre ele e o sino é que a inteligência, que faz com que este se mova, está fora dele, ao passo que a que faz agir o homem está nele mesmo.
O princípio espiritual é corolário da existência de Deus; sem esse princípio, Deus não teria razão de ser, visto que não se poderia conceber a soberana inteligência a reinar, pela eternidade em fora, unicamente sobre a matéria bruta, como não se poderia conceber que um monarca terreno, durante toda a sua vida, reinasse exclusivamente sobre pedras.
Como não se pode admitir Deus sem os atributos essenciais da Divindade: a justiça e a bondade, essas qualidades seriam inúteis se devessem se exercer somente sobre a matéria.
Por outro lado, não se poderia conceber um Deus soberanamente justo e bom, a criar seres inteligentes e sensíveis, para lançá-los ao nada, após alguns dias de sofrimento sem compensações, a recrear-se na contemplação dessa sucessão indefinita de seres que nascem, sem haverem pedido, pensam por um instante, apenas para conhecerem a dor, e se extinguem para sempre, após uma efêmera existência.
Sem a sobrevivência do ser pensante, os sofrimentos da vida seriam, da parte de Deus, uma crueldade sem objetivo. Eis por que o materialismo e o ateísmo são corolários um do outro; negando o efeito, não podem eles admitir a causa. O materialismo é, pois, consequente consigo mesmo, embora não o seja com a razão.
A ideia da perpetuidade do ser espiritual é inata no homem; está nele em estado de intuição e de aspiração. O homem compreende que somente aí está a compensação às misérias da vida. Eis porque sempre houve, e haverá sempre mais espiritualistas do que materialistas e mais deístas do que ateus.
À ideia intuitiva e à força do raciocínio o Espiritismo junta a sanção dos fatos, a prova material da existência do ser espiritual, da sua sobrevivência, da sua imortalidade e da sua individualidade. Torna precisa e define o que aquela ideia tinha de vago e de abstrato. Mostra o ser inteligente agindo fora da matéria, quer depois, quer durante a vida no corpo.[5]
Pergunta: Por que é que os anatomistas, os fisiologistas e, em geral, os que aprofundam as ciências naturais, são frequentemente levados ao materialismo?
“O fisiologista refere tudo ao que vê. Orgulho dos homens, que julgam saber tudo e não admitem qualquer coisa que esteja acima do seu entendimento. Sua própria ciência lhes enche de presunção. Pensam que a Natureza nada pode ter que lhes seja oculto.”
Pergunta: Não é de lastimar que o materialismo seja uma consequência de estudos que deveriam, ao contrário, mostrar ao homem a superioridade da inteligência que governa o mundo? Deve-se daí concluir que são perigosos?
“Não é verdade que o materialismo seja uma consequência desses estudos. O homem é que deles tira uma consequência falsa, pois ele pode abusar de tudo, mesmo das melhores coisas. Além disso, o nada os amedronta mais do que querem que pareça, e os espíritos fortes, quase sempre, são mais fanfarrões do que bravos. Na sua maioria, só são materialistas porque não têm com que encher o vazio; ante o abismo que diante deles se abre, mostrai-lhes uma âncora de salvação e a ela se agarrarão pressurosamente.”
“Por uma aberração da inteligência, pessoas há que só veem nos seres orgânicos a ação da matéria e a esta atribuem todos os nossos atos. No corpo humano apenas veem a máquina elétrica; somente pelo funcionamento dos órgãos estudaram o mecanismo da vida, cuja repetida extinção observaram, por efeito da ruptura de um fio, e nada mais enxergaram além desse fio. Procuraram saber se alguma coisa restava, e como acharam apenas a matéria que se tornara inerte; como não viram a alma escapar-se, e não a puderam apanhar, concluíram que tudo estava nas propriedades da matéria, e que assim, após a morte resta apenas a aniquilação do pensamento.
“Triste consequência, se fosse assim, porque então o bem e o mal não teriam objetivo, o homem teria razão para só pensar em si e para colocar acima de tudo a satisfação de seus gozos materiais; os laços sociais estariam rompidos e as mais santas afeições dissolvidas para sempre.
“Felizmente, essas ideias estão longe de ser gerais, e pode-se mesmo dizer que são muito circunscritas, e constituem apenas opiniões individuais, pois em parte alguma foram erigidas em doutrina. Uma sociedade fundada sobre tais bases traria em si o gérmen de sua dissolução e seus membros se entredevorariam como animais ferozes.”(...) [6]
Algumas ideias sobre o tema, extraídas da neurociência, século XXI.
Não é correto dizer que o cérebro "cria" um pensamento, uma experiência ou uma percepção, da mesma forma que não é correto dizer que um rádio cria Mozart.
O papel do cérebro é oferecer a estrutura física para o pensamento, assim como os transistores de um rádio nos permitem ouvir música.
Quando vemos uma rosa, sentimos seu perfume e tocamos suas pétalas aveludadas, todos os tipos de correlações ocorrem em nosso cérebro. Elas são visíveis num exame de ressonância magnética, mas nosso cérebro não está vendo, cheirando ou tocando a rosa. Essas são experiências que só a pessoa pode ter. Isso é essencial, porque nos faz maiores do que nosso cérebro.
Eis um exemplo para mostrar a diferença: na década de 1930, um médico pioneiro em cirurgias cerebrais, chamado Wilder Penfield, estimulou a área do cérebro conhecida como "cortex motor" e descobriu que, aplicando uma minúscula carga elétrica nele, provocava o movimento dos músculos. (Uma pesquisa posterior expandiu essa descoberta. Cargas elétricas aplicadas nos centros de memória podem fazer a pessoa ter lembranças vividas, e, se aplicadas aos centros emocionais, podem provocar explosões de sentimentos.) Penfield percebeu, porém, que a distinção entre mente e cérebro era crucial.
Como o tecido cerebral não sente dor, a cirurgia de cérebro pode ser feita com o paciente acordado. Penfield estimulou uma área do córtex motor, fazendo o braço do paciente se elevar. Quando perguntou ao paciente o que tinha acontecido, ele disse: "Meu braço se mexeu". Então Penfield pediu que levantasse um braço. Quando lhe perguntou o que tinha acontecido, o paciente disse: "Levantei meu braço".
Dessa maneira simples e direta, Penfield mostrou algo que todo mundo sabia instintivamente. Existe uma enorme diferença entre ter o braço levantado e levantá-lo por vontade própria. A diferença reside na misteriosa lacuna entre mente e cérebro. Mover um braço é uma ação da mente, enquanto o movimento involuntário é uma ação desencadeada no cérebro - e não se trata da mesma coisa.
A distinção pode parecer insignificante, mas no final será imensamente importante. Por enquanto, lembre-se apenas de que você não é o seu cérebro. A mente, que dá ordens ao cérebro, é o único criador verdadeiro, assim como Mozart é o verdadeiro criador da música que toca no rádio.”[7]
Bem, estão aí alguns argumentos filosóficos e científicos que podem nos ajudar a refletir se somos apenas um corpo, vivendo momentaneamente uma experiência espiritual, ou somos um ser espiritual vivendo uma breve experiência na matéria, que a morte do corpo não extinguirá.
Equipe Filosofia no ar / tc 22/09/2013.
[1] Le Phédon (Fédon), XIII.
[2] Fédon, XIII
[3] René Descartes - Les Passions de l’Âme, Art. II, III, IV e VI. Paris. 1728.
[4] O Espiritismo é a ciência nova que vem revelar aos homens, por meio de provas irrecusáveis, a existência e a natureza do mundo espiritual e as suas relações com o mundo corpóreo. Ele no-lo mostra, não mais como coisa sobrenatural, porém, ao contrário, como uma das forças vivas e sem cessar atuantes da Natureza, como a fonte de uma imensidade de fenômenos até hoje incompreendidos e, por isso, relegados para o domínio do fantástico e do maravilhoso. (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. I - Não vim destruir a lei - O Espiritismo, item 5.)
[5] A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo, cap. XI - Gênese espiritual - Princípio espiritual, itens 1 a 4.
[6] Livro dos Espíritos, itens 147 e 148.
[7] Super Cérebro, Editora Alaúde, São Paulo, 2013. Escrito por Rudolph E. Tanzi, professor da cadeira de neurologia da Universidade de Harvard e diretor da Genetics and Aging Research Unit do Massachusetts General Hospital e Deepak Chopra, especialista em clínica médica e endocrinologia, membro da American of Clinical Endocrinologists e cientista aposentado da organização Gallup.
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