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Ética da reciprocidade moral
No tempo de hoje, em que a violência, sob a máscara da mentira, mais ameaçadora que nunca, ocupa o trono do mundo, não estou menos persuadido de que a verdade, a caridade, a indulgência, a mansidão e a bondade são forças superiores a qualquer outra força. Albert Schweitzer[1]
A ética da reciprocidade moral, ou regra de ouro da moral, significa um ou mais preceitos ou mandamentos, que tendem a resumir os deveres recíprocos entre os homens.
A preocupação em criar regras de conduta que possam tornar o ser humano mais livre e mais feliz está presente no seio da humanidade há milênios.
Enunciada por praticamente todas as grandes filosofias, religiões e culturas do mundo, a regra de ouro da moral, ou ética da reciprocidade pode resumir-se nestas duas grandes máximas:
Faz aos homens tudo o que gostarias que eles te fizessem.
Trata todos os homens como gostarias que eles te tratassem.
As filosofias e religiões contribuíram desde muito tempo para a reflexão e a formulação de preceitos que visam a conduzir a humanidade por uma via mais segura, e todas tem por base uma ética de reciprocidade. Vejamos algumas delas.
Zoroastrismo: A natureza é boa somente quando não faz aos outros o que quer que não seja bom para si mesmo. Dadistan-i-Dinik 94:5 (por volta de 700 a.C)
Filosofia grega antiga: Não faças ao teu vizinho o que tomarias a mal se te fosse feito por ele.” Pittacos de Mytilène (640–568 a.C) “Evita fazer o que tu censurarias se fosse feito pelos outros.” Thales (624-546 a.C):
Taoísmo: Olha o ganho do teu vizinho como o teu próprio ganho, e a perda do teu vizinho como a tua própria perda. T'ai Shang Kan Ying P'ien.
O sábio não tem interesse próprio, mas toma os interesses de seu povo como seus. Ele é bom com o bom; é igualmente bom com o mau, pois a virtude é boa. Ele é crente com o crente; é também crente com o descrente, pois a virtude é crente. Dao de Jing, cap. 49 (por vota de 600 a.C)
Confucionismo: O que tu não desejas para ti, não estendas aos outros. Confúcio (por volta de 551-479 a.C)
Judaísmo: Tu não te vingarás, ou não levarás nenhuma queixa contra os filhos de teu povo, amarás teu próximo como a ti mesmo: Eu sou o senhor. Torá, Levítico 19;18 (538-332 a.C)
Esta regra é assim apresentada por Hillel (no início da era cristã, antes dos ensinos de Jesus de Nazareth): O que tu não queres que te façam, não impõe ao outro. Eis toda a Torá, o resto é apenas comentário. Agora vai e estuda. (Talmude da Babilônia, tratado Shabbat 31ª, a um homem que pede lhe seja explicado o sentido da Torá, no tempo em que permanecesse apoiado num só pé.).
Hinduísmo: Este é o resumo do dever: Não faças aos outros o que não queres que te façam. Mahabarata (5:15:17) (500 a.C)
Budismo: Não fira os outros com o que tu mesmo acharias doloroso. Udana-Varga 5:18 (500 a.C)
Jainismo: Nada que respire, que exista, que viva, ou que tenha a essência ou o potencial da vida deve ser destruído ou dirigido, subjugado ou ferido, ou negada sua essência ou seu potencial. Para reforçar esta verdade, proponho-vos uma questão: o desespero ou a dor são alguma coisa de desejável para vós? Se responderdes sim, seria uma mentira. Se responderdes não, dizeis a verdade. Da mesma forma que o desespero e a dor não são desejáveis para vós, também não o são para tudo o que respira, ou existe, vive ou tem a essência da vida.
Cristianismo: Amarás teu próximo com a ti mesmo. Fazei aos homens tudo o quereríeis que vos fosse feito; porque aí está a lei e os profetas. (Jesus de Nazaré, por volta do ano -5/32, Mt. 22: 36-40; Mt. 7:12, Luc 6:31, 10:27).
Islamismo: Nenhum dentre vós crê realmente enquanto não desejar para seu irmão o que deseja para si mesmo. (Maomé, 570-632, Hadith 13 de al-Nawawi).
O que podemos deduzir desses ensinos dados desde os primeiros tempos da nossa civilização, é que devem ter uma razão de ser. Isso não se pode negar, uma vez que esses preceitos são de todos os tempos e ainda servem para nortear a ética dos nossos dias.
Se ainda há tantos conflitos, tanta violência, tanto sofrimento e desespero no seio da humanidade, não será porque o homem tem desprezado essas máximas?
Há uma perfeita lógica na ética da reciprocidade moral, que não pode ser desconsiderada pelos homens sensatos: é que ela toma o direito pessoal por base do direito do próximo.
Portanto, uma vez que cada indivíduo sabe bem reconhecer seus direitos, o que caracteriza a injustiça é não estender esses direitos a todos os outros indivíduos, pois a justiça consiste no respeito dos direitos de cada um.
Resta saber o que é que determina esses direitos.
“Eles são determinados por duas coisas: a lei humana e a lei natural. Tendo os homens feito leis apropriadas a seus hábitos e a seu caráter, essas leis estabeleceram direitos que puderam variar com o progresso das luzes. Vede se vossas leis de hoje, sem serem perfeitas, consagram os mesmos direitos que na Idade Média; aqueles direitos antiquados, que vos parecem monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. O direito estabelecido pelos homens, portanto, nem sempre é conforme a justiça; ele regula aliás somente algumas relações sociais, ao passo que, na vida privada, há uma porção de atos que dependem unicamente do tribunal da consciência.”
Posto de parte o direito que a lei humana consagra, qual a base da justiça, segundo a lei natural?
“Cristo disse-vos: Querer para os outros o que quereríeis para vós mesmos. Deus pôs no coração do homem a regra de toda verdadeira justiça, pelo desejo de cada um de ver respeitar seus direitos. Na incerteza do que ele deve fazer a respeito de seu semelhante numa circunstância dada, que o homem se pergunte como gostaria que se agisse para com ele em semelhante circunstância: Deus não podia dar-lhe guia mais seguro do que sua própria consciência.”[2]
[1] Minha infância e mocidade - Histórias africanas, Edições Melhoramentos.
[2] O Livro dos Espíritos - Parte Terceira - Das leis morais – Cap. XI - Lei de justiça, de amor e de caridade - Justiça e direito natural, itens 873 a 879. Ver também: http://fr.wikipedia.org/wiki/Éthique_de_réciprocité
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