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PROBIDADE
Eu sou vida que quer viver, rodeado de vida que quer viver. Cada dia e cada hora esta convicção me acompanha. O bem é manter e favorecer a vida; o mal é destruir a vida ou a entravar. Albert Schweitzer [1]
A probidade é uma virtude das mais importantes na vida de relação, e significa: retidão de espírito e de coração; dedicação sincera e severa aos deveres mais estritos da moral e da justiça.
A probidade é um dos elementos mais preciosos e mais raros da moral social. Sem ela todas as convenções humanas são falsas e impotentes, todas as relações e as afeições impossíveis.[2]
O homem probo é aquele que faz uma justa apreciação do bem e do mal no comércio da vida, e tem verdadeira repugnância por tudo o que é injusto e desleal. Ele observa exata regularidade no cumprimento de todos os deveres da vida civil.
A ausência dessa virtude no caráter de um homem pode ser percebida na sua falta de compromisso com a própria palavra, nas falsas promessas, no pouco caso que faz da honestidade, da confiança que em si é depositada. É tudo o que caracteriza a improbidade.
Em contrapartida, pode-se confiar totalmente num homem probo, pois sua palavra tem força de lei. Sua consciência é a guardiã da sua probidade interior, é a ela que ele obedece.
Se todos os homens fossem probos, não haveria necessidade de avalistas, de cauções, de testemunhas ou de qualquer outra garantia.
A probidade é irmã vigilante e rigorosa do desinteresse e da honestidade; está sempre disposta ao sacrifício, e reprova energicamente todo cálculo pessoal que poderia prejudicar os direitos do outro, mesmo aqueles que rivalizam com os seus.
A humanidade teve um grande exemplo de probidade no homem que recebeu o prêmio Nobel da Paz em 1952. Albert Schweitzer, doutor em filosofia, escritor consagrado, professor da Universidade de Estrasburgo, aos trinta anos resolveu estudar medicina para ir aliviar a dor dos indígenas da África equatorial francesa, em Lambaréné.
E por que ele fez isso? Por que abandonou o que muitos veriam como “uma carreira brilhante”, o conforto de seu lar, a companhia dos amigos, para se embrenhar na selva e se dedicar aos nativos?
Ele mesmo respondeu em um de seus livros:
Eu li diversos escritos e ouvi testemunhos de missionários revelando a miséria física dos indígenas das selvas.
E quanto mais refletia nisso, menos conseguia compreender como era que nós, europeus, nos preocupávamos tão pouco com a grande tarefa humanitária que nos incumbe nessas regiões longínquas. Parecia-me que a parábola do mau rico e do pobre Lázaro se aplicava bem ao caso. O mau rico seríamos nós. Os progressos da medicina puseram à nossa disposição grande número de conhecimentos e de processos eficazes contra a doença e a dor física; e as vantagens incalculáveis dessa riqueza nos parecem coisa muito natural.
O pobre Lázaro é o homem de cor, lá nas colônias. Conhece tanto ou bem mais do que nós a doença e o sofrimento; todavia, não dispõe de nenhum meio para combatê-los. E nós agimos como o mau rico, cuja indiferença para com o pobre sentado à sua porta era um pecado, pois o rico não se punha no lugar do seu semelhante, nem deixava que o próprio coração falasse.”[3]
Não está aí a probidade, como elemento mais precioso e mais raro da moral social?
Schweitzer era um cristão verdadeiro, e como tal fazia uma justa apreciação do bem e do mal, do justo e do injusto. Sua consciência lhe indicou seu dever e ele não a contrariou.
Como escritor, ele narrou em seus livros muitos casos que são verdadeiras lições de moral social.
Sua preocupação com os pacientes o levou a contar várias histórias, tristes umas, engraçadas outras, plenas de ternura todas.
Reproduzimos aqui pequena parte de uma de suas narrativas, que bem retrata o caráter daquele médico singular:
“Os indígenas da África central são muito mais sujeitos a hérnias do que os brancos. Ignoramos os motivos. As hérnias estranguladas são muito mais frequentes aqui do que na Europa. Causam a obstrução completa do intestino; este aumenta de volume por causa dos gases que se formam. A dilatação produz dores violentas. Apenas alguns dias de tortura, e sobrevém a morte se não se consegue a tempo reduzir a hérnia(...).
"Não deixem o sol descambar sobre uma hérnia estrangulada!": eis o axioma que o professor de cirurgia repete sem cessar aos estudantes.
Mas na África essa morte horrível é coisa comum. Desde a mais tenra idade, o negro já viu gente se torcer, urrando durante dias sobre a areia da cabana, até que a morte venha como libertadora. Assim, logo que um nativo se dá conta do estrangulamento da sua hérnia, suplica aos seus que o ponham numa canoa e o tragam ao meu hospital. (Hérnias em mulheres são muito raras).
Como descrever o que sinto quando me trazem um desses desgraçados?! Sou a única pessoa, numa extensão de centenas de quilômetros, que os pode aliviar! E porque estou aqui, porque meus amigos me remetem meios para que eu permaneça aqui, tal desgraçado será salvo, como foram os que vieram antes dele e serão os que vierem depois... ao passo que sem mim ele sucumbiria às suas torturas. É lógico que morrerá quando chegar a sua vez, pois esta é uma injunção a que não escapamos; mas poder libertá-lo de seus horrendos sofrimentos parece-me um graça suprema, sempre renovada. A dor é um déspota mais terrível do que a morte.
Coloco a mão sobre a testa do desgraçado que ulula e Ihe digo:
- Fica tranquilo. Dentro de uma hora dormirás e quando acordares já estarás bom.
Administro-lhe então uma injeção de morfina. Minha mulher, ajudada por Joseph, prepara tudo quanto é necessário.
Durante a operação, ela se encarrega da anestesia.
Joseph, munido de enormes luvas de borracha, funciona como assistente.
A operação está terminada. Da enfermaria obscura assisto ao despertar do paciente. Assim que recupera os sentidos lança ao redor um olhar espantado, e repete por diversas vezes:
- Não tenho mais dor! Não tenho mais dor!
Sua mão preta procura a minha e não a quer mais largar.
Então começo a Ihe contar, bem como aos demais presentes, que foi Jesus, nosso Senhor, que ordenou ao médico e à sua mulher que viessem para o Ogoval, e que ele dispõem na Europa de amigos, homens brancos que Ihes facilitam todos os meios para viverem aqui tratando dos doentes. A seguir tenho de responder as perguntas que me fazem a respeito dessas pessoas longínquas que se interessam por eles. Quem são elas? Onde moram? Como é que estão cientes dos sofrimentos físicos dos nativos?
Os raios de sol poente da África ainda banham a casa obscura, passando pelo cafezal. E, negros e brancos, objetivamos a palavra de Cristo: “Vós todos sois irmãos.”
Ah! se os amigos da Europa, que me propiciam meios para agir aqui, pudessem estar conosco em semelhantes momentos! ...
Amar, no sentido profundo do termo, é o homem ser leal, probo, consciencioso, para fazer aos outros o que queira que estes lhe façam; é procurar em torno de si o sentido íntimo de todas as dores que acabrunham seus irmãos, para suavizá-las; é considerar como sua a grande família humana.[4]
Equipe Filosofia no ar / tc 02/10/2012.
[1] La civilisation et l’éthique, 1976.
[2] Nouveau Dictionnaire Universel, de Maurice Lachâtre, Paris, 1867.
[3] Albert Schweizer, Entre a água e a selva, 3ª ed. Edições Melhoramento. Trad. de José Geraldo Vieira.
[4] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XI - Amar o próximo como a si mesmo - A lei de amor, item 10.
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