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Orgulho: pai de todos os vícios
Em todos os tempos as filosofias morais chamaram a atenção da humanidade para o orgulho. Isso porque ele é o pai de todos os vícios. O mais poderoso dentre seus filhos, e que assumiu um papel preponderante na vida do homem, é o egoísmo.
Mas afinal, o que é orgulho e que papel ele desempenha em nós?
O orgulho é um amor desregrado de si mesmo; é o estado de um homem que se basta, que se admira em suas obras, vê em si qualidades que não tem e empenha-se para que os outros compartilhem da opinião que tem de si mesmo.[1]
Descartes, em seu livro As paixões da alma, assim se refere ao orgulho:
Todos os que concebem boa opinião de si próprios por alguma outra causa, qualquer que seja, não têm verdadeira generosidade, mas somente orgulho, que é sempre muito vicioso, embora o seja tanto mais quanto a causa pela qual nós nos estimamos for mais injusta; e a mais injusta de todas é quando se é orgulhoso sem nenhum motivo (...).
Esse vício é tão desarrazoado e absurdo, que eu teria dificuldade em acreditar que existem homens que se deixam levar por ele, se jamais alguém tivesse sido lisonjeado injustamente; mas a lisonja é tão comum em toda parte que não há homem, por defeituoso que seja, que não se veja muitas vezes estimado por coisas que não merecem nenhum louvor, ou mesmo que merecem censura; o que dá ocasião aos mais ignorantes e aos mais estúpidos de incidirem nesta espécie de orgulho.[2]
Suponhamos que pudéssemos ouvir o próprio orgulho falando de si mesmo, e talvez ele nos contasse o que é e como age, nos seguintes termos:
Eu sou o orgulho. Pouco se admite a minha influência, porque aquele a quem eu envolvo não confessa nem a si mesmo que sou eu quem dirige sua vida. Acompanho a humanidade desde que o mundo é mundo, e sou o responsável por pequenas desavenças, mas também por grandes guerras.
Sou eu que sopro ao ouvido do homem que ele vale mais que os outros, e ele acredita, mesmo que sua consciência grite que não pode ser assim.
Quando o homem não consegue tirar partido das vantagens de outrem, eu lhe inspiro a inveja.
Quando algo ou alguém resiste àquele que me alimenta eu reajo, despertando em meu escravo a cólera. Ele me obedece prontamente, mesmo agindo como se fosse um louco...
Sou eu que desperto o ciúme e despedaço as mais belas amizades, os mais alegres e promissores matrimônios...
Também sou eu que alimento a impaciência, sugerindo uma supervalorização dos interesses próprios naqueles que me têm como guia.
Eu gosto de participar dos diálogos, e geralmente inspiro àquele a quem domino que responda a todas as perguntas com ar de sabedoria, mesmo que a pergunta tenha sido dirigida a outra pessoa. Faço-o pensar consigo mesmo: “essa pessoa nada sabe sobre esse tema..., responderei eu mesmo.” Também o faço acreditar que entende de qualquer assunto, e mesmo que não entenda ele sempre se pronuncia como se fosse conhecedor.
E sabe o que mais utilizo para melhor iludir? Disfarço-me de humildade! Essa estratégia não falha, pois aquele a quem domino está sempre certo de que é humilde, generoso e correto... ele tem sempre razão, e nem percebe que o que caracteriza a humildade é contrário ao que ele pensa de si mesmo.
Eu sou o orgulho, mas uso mil máscaras para não ser descoberto... e é por isso que o orgulhoso só me vê nos outros, jamais em si mesmo.
Quando percebo que a minha vítima não obtém a aprovação necessária no meio em que se movimenta, coloco-lhe a máscara da mentira para que, com esse falso rosto, obtenha a estima que não merece.
Percebo que as virtudes costumam ser tanto mais apreciadas quanto mais raras são, por isso levo os orgulhosos a esforçarem-se por rebaixar aqueles que as possuem ou se esforçam para possuir. E, dando-me ouvidos, têm a alma incessantemente agitada pelo ódio, a inveja, o ciúme, a cólera, sentimentos que os levam a denegrir a imagem dos que julgam estar acima de si, mesmo que precisem lançar mão da calúnia.
Eu sou o orgulho! Sou para a alma o que o câncer é para o corpo; ele enfeia, corrói, mata... eu não faço diferente.
Estou sempre à espreita das almas inseguras, instigando o medo e a baixa estima de si mesmas. Essa é uma maneira infalível de minar as qualidades espirituais e apagar a chama de seu olhar...
Eu sou o orgulho! Sou eu que sugiro ao homem enfermo da alma que ele está bem de saúde, ao vicioso que ele é virtuoso, e assim vou iludindo e infelicitando quem me acolhe.
E se alguém duvidar que tenho todo esse poder, é porque já me antecipei e coloquei-lhe sobre os olhos o véu que o impede de ver a verdade...
E querem saber qual é a minha maior rival? Pois direi: é a humildade. Sim, essa é a virtude capaz de anular minha influência, pois sopra ao ouvido do homem que ele é falível em sua razão, e sempre corre o risco de estar errado em seu ponto de vista...
A humildade adverte o homem sobre seus defeitos; sugere que, por ser falível, ele deve perdoar as falhas dos outros... mas eu me oponho e o faço pensar que tem sempre razão, e a maior parte das vezes sou o mais ouvido.
Quando o homem falha e reconhece seu erro, logo lhe sugiro que isso não poderia ter acontecido: “não comigo!”, digo a ele. É então que o homem orgulhoso não perdoa a si mesmo, porque o erro o torna falível...
E sabem como é que quase sempre eu venço a humildade, minha maior adversária?
É que tenho um poderoso argumento: sopro ao ouvido do homem que ele não é orgulhoso, que só tem dignidade, amor próprio...
Uma observação atenta do homem, principalmente quando se trata de defender seus pontos de vista no campo dos sentimentos, provará que tenho razão, pois são raros os que admitem: “o orgulho pode me confundir.” Ao contrário, muitos afirmam: “tenho a minha dignidade, a minha honradez, não posso permitir que façam isso comigo... eis o motivo de tanta mágoa, tanto despeito, rancor, tristeza, desejo de vingança.
Eu sou o orgulho! Influente e sempre ativo. Sou eu que esfrio no coração do homem os sentimentos de gratidão, modéstia, caridade, constantemente inspirados pela humildade...
Eis aí o que sou! Por isso sou o pai de todos os vícios, dentre os quais o mais poderoso e atuante é o egoísmo...
Entende-se porque somente a humildade pode me derrotar, pois diante de sua força nada posso, assim como meu filho, o egoísmo, é impotente contra a caridade. Essas duas virtudes, bem entendidas e vividas, são os mais poderosos meios de evitar nossa ação.
Equipe Filosofia no ar / TC – 29/08/2012.
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