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A VERDADE
Entre uma das passagens mais interessantes da vida de Jesus está o seguinte diálogo que ele manteve com Pilatos:
Então Pilatos, tendo retornado ao palácio, fazendo vir Jesus, diz-lhe: Tu és o Rei dos Judeus?
Respondeu-lhe Jesus: Tu dizes isso de ti mesmo, ou outros te disseram isso de mim?
Pilatos replicou: Sou eu judeu? Aqueles da tua nação e os príncipes dos sacerdotes entregaram-te a mim: que fizeste?
Respondeu-lhe Jesus: Meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, minha gente teria combatido para impedir que eu caísse nas mãos dos judeus; mas meu reino não é daqui.
Disse-lhe Pilatos: Então és rei? Jesus lhe respondeu: Tu o dizes: eu sou rei. Eu não nasci, e não vim ao mundo senão para dar testemunho da verdade. Todo aquele que pertence à verdade ouve a minha voz.
Disse-lhe Pilatos: Que é a verdade? E, tendo dito essas palavras, tornou a ir ter com os judeus, e lhes disse: Eu não encontro nenhum crime neste homem.[1]
Pois bem. Primeiro Jesus afirma ter vindo a fim de dar testemunho da verdade. Em seguida, ao ser interrogado por Pilatos sobre o que era a verdade, Jesus silenciou e nada respondeu...
Será que dessa resposta, ou melhor, da ausência de resposta, o que também nunca deixa de ser uma, podemos concluir que Jesus não sabia o que era a verdade, evidenciando que ele apenas blefava ou utilizava uma figura de retórica ao se justificar perante Pilatos? Parece que não podemos ser tão apressados assim ao responder.
Afinal, o que é a verdade? Tornou-se comum, em diversos meios, a ideia de que não existem verdades absolutas e de que cada pessoa é livre para criar a sua verdade, aquela que bem entender. Como não podemos ter acesso a uma fonte certa e absolutamente infalível que nos informe o que seja “a verdade”, resta-nos apenas adotar as nossas próprias. Será?
Parece-nos que as pessoas que comungam desse ponto de vista fazem uma ligeira confusão entre “valor” e “verdade”. Podemos gostar ou não do sol, mas a verdade é que ele “nasce” todos os dias, queima nossa pele e é essencial para a vida no planeta. Podemos concordar ou não com os princípios esposados pela moral cristã, mas não negar que vivemos em sociedade e que, para sobreviver, precisamos obedecer a regras mínimas de convivência. E assim com diversos outros aspectos de nossas vidas.
Devemos então imaginar que, em um mundo onde frequentemente somos enganados pelos nossos sentidos e onde a “certeza” é uma mercadoria cada vez mais em falta, seria impossível conhecer algo? Que seria impossível ter acesso à verdade, ou pelo menos a uma parte dela? Vejamos o que a propósito diz o filósofo francês Alain, que em nosso entender atinge o âmago da questão:
“Nunca dei muita importância aos céticos. Porque eles provam que de nenhuma maneira é possível encontrar a verdade; é como se provassem que o homem, construído como é, não pode andar; ora, o homem anda. Do mesmo modo, dei continuamente de cara com verdades, algumas delas desagradáveis; sem contar que são importunas por sua massa e pela dificuldade de as mantermos juntas. Cá estão em nossos braços; não sabemos onde metê-las. Mal prestamos atenção, percebemos que tudo é verdadeiro; por exemplo, a célebre vara que na água parece quebrada, assim deve me parecer; era só pesquisar um pouco; os demasiado célebres céticos não pesquisaram nada.”[2]
André Comte-Sponville continua o raciocínio afirmando que:
“Tudo é verdadeiro, tudo é. Não há como safar-se. E a ideologia é como essa vara quebrada: devemos pensar assim. A ilusão também é verdadeira, pois que é, que existe. Mas é uma ilusão. A vara não está quebrada; está na água. A verdade dá a razão da verdade da ilusão. Por exemplo, é verdade que vejo a terra plana; é também verdade que ela é redonda; essa segunda verdade, e outras, explicam a primeira. A terra não é totalmente redonda, porém; é uma terceira verdade. E assim por diante. As verdades se encadeiam umas às outras. A ordem e a conexão das ideias... E, assim, tudo é verdadeiro, mas não da mesma maneira.”[3]
Portanto, que há uma verdade, que existe enquanto ideia que se opõe ao que é falso, parece-nos ser inegável. Contudo, que esta verdade é, do mesmo modo, ainda difícil, por vezes impossível, de ser (bem) apreendida pela nossa limitada capacidade de raciocínio, parece-nos ser ainda mais evidente. É fato – aliás, poderíamos dizer “é verdade” – que esta tal verdade é cheia de sutilezas para quem tem a vista e o entendimento turvos como nós, mas não podemos abrir mão de persegui-la, ainda que como meta inalcançável. Se renunciarmos a isto, estaremos renunciando à nossa própria condição de seres humanos, de seres que podem mudar sua própria natureza, se aperfeiçoar e, mais e mais, se aproximar de um conhecimento mais vasto, mais claro e mais lúcido a respeito da natureza das coisas.
Caminhada essa que, para ser bem sucedida, deve ser sempre feita com humildade, a humildade do aprendiz. Que erra, mas que tem consciência de que está sujeito a erros. Que comete equívocos, mas que o faz de boa-fé. Este assunto, contudo, é tema para desenvolvermos em outra oportunidade.
Sim, Jesus se calou diante da pergunta de Pilatos... Mas será que lhe restava outra alternativa diante de uma pergunta tão complexa? Para quem não está preparado para ouvir a verdade a partir do ponto de vista de Jesus, como foi o caso de Pilatos, fica impossível explicá-la, ainda que disponhamos de anos para este fim. O ouvinte precisa aprender a ter ouvidos de ouvir. Não é a toa que tantos pensadores não cansam de afirmar que quão mais sábio é alguém, mais este sabe ficar em silêncio. Sabedoria do silêncio, sabedoria de Jesus...
Equipe Filosofia no ar / DAL – 09/09/2012
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